yoga e agroecologia experimental

Mês: maio 2015

O treinamento da mente no cotidiano

S. Ema. Chagdud Tulku Rinpoche

Fonte: Chagdud Gonpa Brasil

O budismo é uma tradição espiritual e filosófica que, por quase 3.000 anos, tem capacitado praticantes a eliminar os venenos e hábitos negativos da mente e revelar a sua natureza pura e absoluta.

A natureza básica da mente é como ouro puro, mas a sua pureza inerente não é óbvia, pois está coberta por uma mescla de emoções conflitantes, circunstâncias cármicas, obscurecimentos intelectuais e hábitos.Essas camadas não refinadas, como minério que contém ouro, precisam ser removidas para que a essência pura do nosso ser, o ouro elementar, seja revelada.

Nosso nascimento humano nos oferece a oportunidade de empreender esse processo de purificação e descobrir o amor, a compaixão, a equanimidade e a alegria que surgem espontaneamente da natureza fundamental da mente.

Se examinarmos nossas vidas, veremos que a real insatisfação, angústia e mal-estar que experimentamos não são causados por condições externas, mas pela forma como reagimos interiormente a elas. Não podemos negar que as condições externas difíceis existem, mas precisamos reconhecer que alguém com algum controle sobre os processos internos da mente não vivencia a mesma impotência e sofrimento face às perdas, adversidades e doenças, comparado a uma pessoa cuja mente não foi treinada.

Sei disso por experiência própria, pois meu país, o Tibete, foi perdido para os invasores comunistas, completamente hostis às nossas tradições culturais e espirituais. Muitos grandes mestres morreram de fome, foram torturados e assassinados. Apesar dessas aflições, os comunistas não conseguiram tirar deles a fé, a compaixão ou a paz interior conquistada por meio da realização espiritual. Eles podiam, apenas, dominar a realidade exterior.

O que é significativo?

A maioria de nós, neste país abundante e acolhedor que é o Brasil, não se depara com desafios tão dramáticos. Ao invés disso, somos desafiados a encontrar o que é realmente significativo em nossas vidas tão atarefadas e descobrir o que verdadeiramente é benéfico em nossas interações com a família, com aqueles que amamos, com as pessoas com quem trabalhamos e encontramos.

Sob o ponto de vista budista, nada supera a importância do uso deste nascimento humano precioso para reconhecermos a inabalável natureza absoluta da mente. Esse reconhecimento instiga confiança e poder para enfrentar os acontecimentos efêmeros, tanto internos quanto externos. O caminho para o conhecimento da natureza da mente depende de nossos esforços para beneficiar os demais. Cada vez que colocamos de lado nossas tendências autocentradas para trabalhar pelo bem-estar dos outros, purificamos alguns dos obscurecimentos usuais da mente e aumentamos nosso mérito.

Integrando o caminho espiritual com a vida cotidiana

A purificação e geração de mérito constituem o caminho para a iluminação e podemos encontrar constantes oportunidades para integrá-las às nossas atividades cotidianas. As pessoas, em geral, queixam-se de que não têm tempo para fazer prática formal. Entretanto, qualquer dia pode ser estruturado como uma sessão de meditação prolongada.

  • Ao acordarmos pela manhã, nos alegramos com o fato de termos mais um dia para consumar a prática espiritual.
  • Estabelecemos uma motivação pura e forte para deixar de prejudicar os outros por meio de nossas ações do corpo, fala e mente e para beneficiá-los como pudermos.
  • Durante o dia, verificamos a nossa mente – mesmo quando estamos conversando ou ocupados com atividades – para ver se essas ações advêm de uma intenção pura ou de venenos como o egoísmo, o orgulho, a inveja e a raiva. As ações ou palavras podem ser exatamente as mesmas, mas a motivação positiva ou negativa por trás delas determinará seus resultados cármicos.
  • À noite, antes de dormir, refletimos sobre o nosso dia. Se encontrarmos momentos em que fracassamos em seguir nossas boas intenções, podemos purificá-los. Invocamos um ser iluminado como nossa testemunha, reconhecemos nossa falha, geramos remorso por tê-la cometido, fazemos o compromisso de não repeti-la e recebemos a purificação visualizando que luz se irradia de nossa testemunha iluminada, nos permeia e purifica a negatividade.
  • Também relembramos os momentos em que criamos mérito com nossas ações, nossa comunicação e intenções positivas. Imaginamos esse mérito se expandindo e formando uma vasta oferenda que se dissolve nas mentes de todos os seres por todo o universo.

Praticantes secretos

Do mesmo modo que uma pessoa, ao acender uma vela, fornece luz para todos que estão no mesmo ambiente, a dedicação do mérito que geramos individualmente aumenta qualidades positivas – prosperidade, longevidade e felicidade – para todos os seres.

Os ensinamentos de Buda nos permitem consumar uma transformação através da prática espiritual sem nos sentarmos numa almofada, sem anunciarmos nossa crença para os outros, sem religiosidade externa. Internamente, treinamos nossa mente e nos tornamos praticantes secretos no caminho à iluminação.

Do Mais Profundo do Meu Coração Para Minha Mãe Yeshe

Do Mais Profundo do Meu Coração Para Minha Mãe Yeshe
Chögyal Namkhai Norbu

Prefácio

Esta breve composição, escrita por Chögyal Namkhai Norbu, aos 19 anos, compreende em poucas páginas o ponto de vista e a prática de meditação do ensinamento Dzogchen. Dirigido a sua mãe pelo autor no momento de sua última despedida, é impactante pelo frescor e profundidade de sua linguagem, e por ser isenta de especulações intelectuais e artifícios retóricos. É uma mensagem direta de coração a coração. Comunica a essência da iluminação que emerge ao observar a natureza da própria mente, a sabedoria espontânea que se manifesta como compaixão infinita a todos os seres, as nossas mães.

Adriano Clemente

Mãe, a mente, a mente! Essa mente da qual sempre falamos, que parece tão viva e ativa, teve início junto com Samantabhadra, o Senhor Primordial. Reconhecendo sua natureza, Samantabhadra se liberou. Não a reconhecendo, começamos a transmigração no samsara infinito. Agora que uma ocasião tão afortunada de apresentou, sem buscar pretextos externos, sem nos deixar capturar pelas oito preocupações mundanas, deveríamos abrir nossos olhos à visão de nossa condição real e compreende-la de uma vez por todas.

Existe uma condição natural, auto originada, a essência verdadeira e ultimada mente: se a deixamos em seu estado da pura presença instantânea, sem buscar modificá-la de nenhum modo, então sua sabedoria espontânea e primordial se manifestará em forma desnuda. O que constitui a sabedoria auto-originada da pura presença instantânea?

Não importa quanto queiramos defini-la, é inefável. Nunca teve início, não reside em nenhuma parte, não conhece interrupção. Não cabe em nenhum dos limites do dualismo, nem ser nem não ser, bom ou mau, apego ou aversão, nem liberação ou ilusão. Sua essência tem sido sempre a pureza da vacuidade, que a tudo penetra, totalmente. Sua natureza é a claridade, que possui as qualidades da sabedoria em um estado de auto-perfeição total. Presença instantânea, a não-dualidade da vacuidade da essência e a claridade da natureza, é o estado de pureza primordial que é a base da manifestação das três dimensões da iluminação: dharmakaya (essência), sambhogakaya ( plenitude) e nirmanakaya (manifestação). O verdadeiro reconhecimento desse estado é o que se chama “a visão da total plenitude da auto perfeição”.

Quero tratar de ser mais explícito. Se olharmos um objeto a nossa direita e logo desviamos nossa visão a um objeto a esquerda, no momento no qual nosso primeiro pensamento se desvanece e, antes que surja o segundo, não sente uma fresca consciência do instante, sem ser manchada pela mente, clara, límpida, desnuda, livre? Permanece por um tempo em meditação, mãe, e observa!

Ai! Este é um exemplo da autentica condição da presença instantânea, e também o que se chama “a igualdade absoluta do quarto tempo”, que transcende os três tempos de passado, presente e futuro. No momento no qual já não permanece neste estado, o qual representa a absoluta igualdade do quarto tempo, não surge um pensamento, rápido e espontaneamente? Fica um tempo em meditação, mãe, e observa!

Ai! Isto é exatamente o que se chama de energia ininterrupta da vacuidade, que é a essência da presença instantânea. Se não reconhece o pensamento logo surja, então os pensamentos se multiplicarão de um modo ordinário, e assim caíra nos limites do dualismo. Esta é a corrente da ilusão, a verdadeira raiz de nossa transmigração sem fim na visão ilusória dos três mundos da paixão, forma e não forma.

Mãe, quando um pensamento nasce repentinamente em ti, seja bom ou mau, reconheça-o imediatamente!Esteja na presença pura, relaxada neste estado, sem entrar em ação: sem rejeitar ou aceitar, sem bloquear nem convidar. Deste modo, se não cria o apego que leva a rejeição e aceitação, todos os pensamentos sobre bom ou mau, prazer, tristeza e outros livremente se dissolvem no espaço da dimensão da essência (dharmakaya), a não-dualidade de presença e vacuidade. Isto se chama “a união fundamental do ponto de vista e da meditação” na dissolução das tensões (khregs chod) da total plenitude da auto-perfeição.

Quando todas as dúvidas e incertezas a respeito do ponto de vista da natureza da total plenitude se dissolvem a partir de dentro, então continuar neste estado se chama “meditação”. Ao não perder o ponto de vista do estado natural, se necessita relaxar a consciência dos cinco sentidos, começando pela visão e audição, sem bloquear estas funções, enquanto permanece serena. Se as diversas funções dos cinco sentidos se bloqueiam, isso significa que caiu em torpor e em falta de claridade. Neste caso tem de voltar à própria condição mais límpida, mais transparente.

Se meditar com um objetivo em mente, há grande risco de que a meditação se torne conceitual ou analítica. A pessoa não deveria, então, meditar com a intenção de poder dizer: “Aqui está, este é o estado!” Ter algo “no qual” meditar implica atividade da mente, enquanto não há realmente nada em que concentrar-se e meditar. É suficiente somente deixar a consciência em seu estado original e, ao mesmo tempo, não se deixar distrair. Já que a distração é equivalente a cair na ilusão, é importante focalizar a atenção em não deixar que se multipliquem as ilusões. Qualquer que seja o pensamento que surja, seja este bom ou mau, nem o rejeite nem o aprove, mas sim deixe que se libere do mesmo modo em que surgiu.

Qualquer seja o pensamento que surja, bom ou mau, deixa-o manifestar-se, mas não se envolva começando a realizar juízos. Os pensamentos deixados como são se auto-liberam em seu próprio estado, tal como as ondas, logo ao terem se agitado na superfície do mar finalmente se acalmam. Alguns que se dizem grandes meditadores afirmam que a meditação consiste em deter os pensamentos e obter um estado livre de pensamentos, mas essa é a direção oposta ao caminho de dissolver as tensões em total plenitude. Deter os pensamentos é uma ação. Comprometer-se em uma ação enquanto se medita, pode tornar-se a causa posterior de transmigração; não é em absoluto o modo de se liberar do samsara.

Portanto, quando surge um pensamento, bom ou mau, a chave é continuar em um estado de pura presença ou pura claridade, sem envolver-se absolutamente em nenhuma das ações que derivam tanto de bloquear como de multiplicar os pensamentos. Quando se continua neste estado, qualquer que seja o objeto que se apresente não se converte em alvo de nosso apego. Nossa percepção de tal objeto permanece em sua condição fresca, original. Portanto todos os fenômenos que aparecem como objetos se manifestam sem que seu caráter específico se transforme ou perca seu brilho por pensamentos derivados do apego. Deste modo, tudo o que aparece e se percebe se torna essa sabedoria que é a não-dualidade da vacuidade e claridade.

Este reconhecimento do próprio estado, o qual é a condição da claridade pura e presença pura, deveria tornar-se contínuo, qualquer que seja a atividade diária em curso: enquanto se caminha, enquanto se come, enquanto se está sentado, enquanto está deitado e assim

sucessivamente. Se surge um pensamento ligado a uma emoção ou paixão, por exemplo, um prazer ou um pesar, a algo bom ou, ao contrário, mau, não ceda à noção de ter de rejeitá-lo ou achar um antídoto. A sensação de prazer ou pesar, se a observa e a deixa em sua pureza e desnudes, se dissolve do mesmo modo que surgiu.

A causa principal de nossa transmigração, aquilo que tem girado incessantemente a roda do samsara desde o tempo sem começo até hoje, é feita de nossa inclinação inconsciente ao dualismo. Por tanto, abandonando para sempre tanto as preocupações externas, como as atitudes de espiritualidade simulada, agora que teve a suprema boa fortuna de conhecer frente a frente a dimensão que é a essência (dharmakaya) da presença instantânea, aproveita a ocasião e volta ao profundo estado natural no qual todos os conceitos de rejeição e aceitação purificam a si mesmos na sua própria condição.

Possa o significado último do estado de Atiyoga
Surgir perfeitamente em ti, mãe Yeshe!
E possam todos os seres que tenham contato contigo
Liberar-se no estado primordial de Samantabhadra!

Isso foi escrito pelo dzogchenpa Namkhai Norbu em Lhasa, no vigésimo quinto dia do primeiro mês do ano do cachorro de terra, 2.502 anos depois do paranirvana de Buddha (março de 1958), no momento de separar-se de sua mãe.

Tradução: Jimmy Jacques

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