yoga e agroecologia experimental

Autor: vinicius

Yoga é Resistência

Autor: Goura Nataraj Das

Em todos os momentos em que damos o melhor de nós mesmos não trabalhamos. O trabalho é apenas um meio para esses momentos.

Nietzsche, Sabedoria para depois de amanhã

É comum entendermos o yoga, bem como toda manifestação cultural diferente da nossa, de acordo com nossos próprios padrões de percepção do mundo. Vemos desta forma que toda prática de ascese, de purificação, de busca da iluminação que é expressa pela palavra yoga, costuma ser entendida de forma leviana ou tem sua importância minimizada. No fundo, é simplesmente mal-compreendida. Ou, melhor dizendo, não encontra ouvidos adequados para sua mensagem. Nós, os yogins, muitas vezes nos satisfazemos com a manutenção do bem-estar, a eliminação de alguns estados doentios da mente e do corpo e o restabelecimento de um certo equilíbrio em nossa vida psíquica e física. Ir além disto, colocar a ênfase nos aspectos mais críticos e profundos do yoga, não costuma ser algo feito ou objeto de estudo.

No entanto, ao fazermos este procedimento retiramos a essência da pratica do yoga e mantemos apenas sua forma externa, sua cobertura. Pois a essência das coisas esta nelas como as sementes de um fruto para o fruto inteiro. Das oito partes do yoga (aṣtānga yoga) descritas no Yoga Sutra, ficamos, quando muito, com uma ou duas e fazemos incursões aleatórias e descomprometidas nas demais que são, apesar disto, o verdadeiro objetivo da prática. O caminho óctuplo inicia nas prescrições e proscrições morais, segue nas práticas de purificação e fortalecimento do corpo e mente, e prossegue nas técnicas de meditação.

É imperativo reconhecer o yoga como um processo de despertar de nossa verdadeira natureza (svārupa – a razão seminal de nossa existência) e de questionamento sobre o propósito, a origem e a dissolução da existência.

Na filosofia estóica dois valores aparecem como a meta dos esforços dos pensadores: a liberdade e a felicidade. Acredito que podemos também aplicar tal consideração quando refletimos sobre o yoga. A libertação dos condicionamentos e das misérias, bem como a realização da mais profunda felicidade, também são metas de um yogi. Para tentar comprovar isto basta observarmos o valor que o yoga concede a termos tais como mokṣa (liberdade), kleṣa (sofrimento) e ānanda (bem-aventurança).

É um grande abismo que separa estas concepções daquelas outras tão vigentes nos dias de hoje, que vêem o yoga, ora como uma anestesia espiritual, um calmante, um sedativo usado para ajudar as pessoas a lidarem com as dores e ansiedades do mundo, mas sem se preocuparem em questionar a causa, sem instigar mudanças, críticas e transformações; ora como um método de potencialização do poder de desfrute, a forma comum do feroz hedonismo dos tempos modernos, o assim chamado tantra da pós-modernidade, que distorce conceitos, confunde coisas com as quais não está, de forma alguma, familiarizado e persevera na manutenção de padrões alienados de vida. Aquele que vai entrando no universo do yoga logo vai se deparando com tais questões e reconhecendo a natureza e as dificuldades inerentes do projeto no qual está embarcando.

Defendemos, contudo, a necessidade de um questionamento constante sobre a maneira pela qual interpretamos o yoga. O verdadeiro yogi está, até certo ponto, num embate com o mundo. Na verdade, o sentimento do yoga tal como todo sentimento filosófico nasce de uma inquietude com a realidade, um desconforto e uma desconfiança com a norma vigente e com as formas de interpretar esta norma. O yogi declara guerra à ignorância, à ilusão, e desta forma não consegue mais sentir-se plenamente a vontade co-habitando na mentira, dividindo seu espaço com ela. Como afirma Kṛṣṇa na Gītā:

"Aquilo que é noite para todos os seres é a hora de despertar para o auto-controlado; e a hora de despertar para todos os seres é noite para o sábio introspectivo."

Numa sociedade que não está preocupada de fato em questionar as origens e causas da existência, que não valoriza a evolução espiritual e que coloca toda sua escala de valores numa balança que pende sempre para o lado de um materialismo cego e antropofágico, que exige constantes e crescentes sacrifícios para que possa se manter em movimento, toda preocupação com o espírito, a crítica, a criatividade, a paz mental e o contentamento, coisas que contradizem a ética predominante do trabalho e da produção, é uma manifestação de oposição.

Ou como diz Herman Hesse:

“À nossa falta de inclinação para ganhar dinheiro e para empreendimentos materiais corresponde, em nossos antípodas – os empresários e agiotas – à ausência de uma dimensão poética da alma.”

Yoga é na Bhagavad Gītā um ato de retirar-se em si, de conquista de si. Em sânscrito podemos pensar no composto Ātmavan. ātma é o ser, o eu transcendental, e van um sufixo que indica posse, como em śrāddhavan, o que tem fé. Ātmavan é aquele que é senhor de si, que não se perdeu, que realizou o ātma, que alcançou o conhecimento e a realização do ātma. Isto pode nos trazer a mente algumas questões percorridas por Foucault. O filósofo francês Michel Foucault deu uma série de aulas na década de 80 na qual retomou um questionamento antigo, dos gregos e romanos, sobre um termo que ele traduziu como ‘cuidado de si’.

“O cuidado de si implica uma certa maneira de estar atento ao que se pensa e o que se passa no pensamento.”

Trata-se de uma mudança de foco, de um redirecionamento da consciência. Ao invés de se deixar levar cegamente pelos chamados dos objetos dos sentidos, de tudo aquilo que está fora de nós, do mundo de nomes e formas, o sujeito passa a tratar com mais consideração o seu universo interno e a relação que as coisas do exterior tem com as ‘coisas’ do interior. O cuidado de si é expresso ainda em varias fórmulas tais como ocupar-se consigo mesmo, retirar-se em si mesmo, sentir prazer em si mesmo, permanecer em companhia de si mesmo, ser amigo de si mesmo, estar em si como numa fortaleza, respeitar-se, etc. Alguém poderia argumentar contrariamente: ‘Trata-se, então, de um culto ao ego?’ A resposta é que o voltar-se a si é sempre entendido de forma positiva, não é questão de incapacidade de se posicionar no mundo, de frustração ou de uma rebeldia sem sentido. A mesma idéia que aparece, como vimos acima, na Gītā.

Voltar-se a si é o movimento de busca da identidade verdadeira do ser. É a recusa às respostas formatadas e vazias que recebemos de todos. Imaginemos um teatro onde os atores, de tanto executarem inúmeros papéis, já se perderam e não sabem mais quem são. Isto é o mundo em que vivemos. Os papéis que representamos na vida e através dos quais costumamos nos definir são transitórios e não preenchem todas as potencialidades de nosso ser; quando perguntamos a alguém: ‘Quem é você?’ – a resposta normalmente virá como uma expressão desta ignorância – ‘sou um homem brasileiro’, ‘tenho 47 anos’, ‘sou a mãe de 2 filhos’, ‘sou um professor’, ‘sou um atleta’, etc. Como se os papéis de um ator o definissem!

De fato é difícil pensar em respostas positivas, pois quando vamos retirando o que é contingente, o que não é necessário, pouca coisa, ou quase nada, resta. É por isto que Śankara (788-820) e outros mestres disseram que o ātma, o ser, é definido pelo que ele não é: ele não é isto que é limitado pelo corpo e pela mente; ele não é isto que nasce, cresce, envelhece e morre.

Os versos do Nirvana de Śankara desenvolvem esta idéia:

'Não sou mente nem razão, não sou ego, não sou audição, nem paladar, olfato e nem visão; não sou espaço nem terra, não sou fogo nem ar. Eu existo em plenitude, em forma de consciência e felicidade' (Nirvana Ṣatkam)

O yoga afirma que a causa do sofrimento do ātma no mundo material é seu afastamento, sua ruptura com a realidade suprema. Os devotos de Kṛṣṇa pensam na separação entre Rādhā e Kṛṣṇa, como o símbolo da alma que anseia pelo amor e liberdade da união com o ser amado. Os devotos de Śiva talvez recordem da união entre Śiva e Śakti, representada muitas vezes no ato da cópula. Os estudantes do vedanta meditam na relação da consciência individual (ātma) com a consciência cósmica (paramātma).

Em todo caso, o sentimento de separação nasce da ignorância do que somos, de nossa identidade primeira, e é nossa ruptura rumo ao limitado, finito e individual. Em Schopenhauer esta ignorância recebe o nome de vontade, a fome infinita que caracteriza todas as coisas. Confundido pela situação de apego e aversão, de querer e não-querer, o sujeito nasce sem saber o que deve fazer ou o que deve conhecer. Sofre no mundo dos nomes e das formas.

Em ultima análise o mundo é aquilo que projetamos ou queremos que ele seja. Não existe mundo sem projeção, sem representação, sem interpretação. Uma pessoa que por seus condicionamentos vê uma sombra trágica em todos os acontecimentos, não irá ver o mundo de outra forma. Outro pode observar o mundo como uma comédia e toda tragédia apenas como aparência. Schopenhauer vai afirmar, desta forma, a ‘terrível verdade’ de que ‘o mundo é a minha vontade’. Ou seja, que de acordo com meus desejos irei ter um mundo, o meu mundo. A percepção que temos das coisas está ligada com a maneira pela qual travamos um contato com elas. A interface do sujeito com o objeto se dá pela vontade, esta define e orienta o sentido da ação do indivíduo. Lembrando de Epiteto: “O que perturba os homens não são as coisas, mas o julgamento que fazem sobre as coisas”.

Assim, vemos com clareza por que o yoga propõe uma revisão de nossos desejos, uma purificação dos elementos do corpo e a eliminação de preconceitos, pensamentos dogmáticos e condicionamentos de toda espécie. Tais atividades e posturas não possibilitam um conhecimento que não esteja condicionado pela vontade, diria Schopenhauer, ou pela ignorância, diriam os vedas.

Tarefa fácil? Não. Nem um pouco. Mas a única digna de receber a maior parte de nossos esforços. Pois colocando a ênfase no essencial ou necessário, o secundário ou contingente se manifesta como conseqüência. Num mundo onde as pessoas procuram esquecer de si com cada vez mais freqüência, onde a alienação se torna a regra, o medo e a insegurança prevalecem e os relacionamentos são cada vez mais pautados pela superficialidade e hipocrisia, buscar o desenvolvimento de nossa ‘paisagem interior’ é estar em franca oposição à tudo aquilo que empobrece o espírito. O yoga se torna e se traduz como resistência.

Retiro Reconexão e Purificação

5 a 7 de junho de 2020 – Caldas-MG

O Retiro Reconexão e Purificação é um convite a uma pequena pausa e silêncios.

Uma maravilhosa oportunidade para quem busca novos caminhos. Quando não sabemos o que fazer ou que caminhos seguir, a melhor opção é parar. 

Estamos mudando a cada segundo e essas mudanças requerem um tempo de observar, sentir e escutar.

No Retiro Reconexão e Purificação você terá a oportunidade de se lançar na busca de sua verdadeira essência, através de práticas de Yoga, meditações (Sufi, silenciosa, ativa), Lian Gong, banho de gongo, caminhadas serenas, danças circulares e merecidas pausas para contemplar seu momento.

Este retiro é indicado também para pessoas que nunca praticaram yoga. Caso você tenha alguma questão de saúde – como por exemplo, problemas cardíacos, de hipertensão, diabetes, etc –  pedimos que nos consulte antes de se inscrever. 


Programação

  • Chegada: às 18h de sexta-feira, dia 05 de junho de 2020
  • Encerramento: às 14h de domingo, 07 de junho de 2020, após o almoço. 

Estaremos em silêncio a partir do jantar até o final da primeira prática da manhã. Convidamos as/os participantes a fazerem o mesmo. 

Local – Lumni

Em meio à paisagem rural, tranquila e montanhosa de Caldas, MG, o local foi cuidadosamente escolhido para que em contato com a natureza você possa relaxar e desfrutar de momentos de profunda conexão interior.

Acesse a página para conhecer o Lumni: https://www.facebook.com/espacolumni/ 

Alimentação

Neste retiro, a alimentação será amorosamente preparada com foco na desintoxicação e na regeneração de todas as dimensões do seu corpo. Serão utilizadas receitas com alimentos vindos, em sua maioria, da agricultura familiar. 

Hospedagem

Quartos de casal e coletivos com banheiros privativos.

O que trazer  

  • Tapete para yoga (caso tenha), manta para se cobrir (caso tenha) e almofada para sentar-se em meditação;
  • Roupa de cama (inclusive cobertor) e banho: 
  • Roupas leves e confortáveis para as práticas; 
  • Produtos de higiene pessoal e repelente natural; 
  • Bikini ou sunga e canga; 
  • Agasalho para as noites (costuma esfriar nesta época);
  • Meias ou pantufas para usar na sala de prática; 
  • Caderno para anotações.

O que inclui o retiro

  • Todas as atividades; 
  • Alimentação purificadora desde o início, na sexta, até o encerramento, no domingo;
  • Estadia em quarto de casal ou quarto compartilhado

Investimento

        Opção 1: R$ 710 divididos em até duas vezes

        Opção 2: R$ 890 divididos em até quatro vezes

Atenção: sua inscrição estará garantida mediante o envio do comprovante de transferência ou pagamento do boleto da primeira parcela. As demais parcelas deverão ser realizadas por meio de cheques pré-datados.

A fim de assegurar a qualidade do retiro, o número de vagas é limitado.
Reserve e garanta a sua vaga! 

Você pode se inscrever neste link.

Facilitadores

Leila Rita

Leila tem mais de 30 anos de experiência como professora de Yoga e terapeuta holística. Atua como focalizadora de danças circulares, jogos cooperativos, educação em valores humanos, cultura de paz e sustentabilidade há mais de 20 anos. Especialista em estruturar e motivar grupos dos diversos setores, dedica-se à elaboração e execução de projetos que visam o reconhecimento, o desenvolvimento e elevação do potencial humano enquanto indivíduo e comunidade, seguindo princípios da ética, da comunicação não violenta, do respeito às diferenças e da sustentabilidade. As dinâmicas que utiliza promovem a reflexão e construção do conhecimento e do desenvolvimento humano com consciência, despertando, no indivíduo e no grupo, o compromisso e a responsabilidade na construção de um mundo mais harmônico, justo e sustentável.

Lila Almendra

Mestra em Ciências Sociais, Lila adentrou o mundo do Yoga há mais de dez anos, tendo estudado com os professores Mahavir Thury, David Lurey, Mirjam Wagner, Raquel Peres, Cris Pitanga e Pedro Kupfer. Formada em Hatha Vinyasa Yoga, Yoga restaurativa e Yoga para crianças, se dedica atualmente ao estudo do Vedanta e da Ayurveda — filosofia milenar que é a raiz e o fundamento do Yoga, junto à ciência da vida indiana, respectivamente. Lila acredita que uma vida de Yoga tem o potencial de expressar a felicidade que já somos.  

Vinicius Brand

Vinicius é professor de yoga há mais de 10 anos, e ensina hoje na cidade de Caldas (MG) junto com sua esposa, a professora Lila Almendra. Vinicius começou a praticar meditação budista há mais de 20 anos e desde lá tem utilizado o conhecimento do yoga como sistema filosófico e prático. Vinícius é professor de Hatha Yoga, Kundalini Yoga e Yoga Tibetana. Para ele, as práticas de yoga e de meditação são ferramentas simples, acessíveis e poderosas, que podem ser aprendidas e utilizadas por qualquer pessoa que queira viver uma vida mais plena, consciente e feliz.

Sugestão

Para que você aproveite melhor o retiro, sugerimos que deixe o celular desligado durante todo o período, e procure não acessar a internet. Pedimos para que se antecipe às urgências, antes do retiro, avisando a seus familiares, conhecidos e colegas de trabalho.
 

A sua presença em nosso retiro será de grande alegria. 

Nos mantemos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Você pode se inscrever neste link.

Namaste.

Leila, Lila e Vinicius

yogameditacaocaldas@gmail.com
Acesse o evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/206606774021842/

Curiosidades sobre a Índia (1)

Fora aquelas que já mencionamos, seguem algumas curiosidades que vimos até agora:

  • Praticamente todas as tomadas que vimos têm um interruptor que liga/desliga a tomada.
  • Aqui têm panelas sem alça. Usa-se uma espécie de alicate pra transportar essas panelas. Aliás, a cozinha tem tudo de inox: copos, pratos, potinhos de todos os tamanhos. E tudo baratinho, de qualidade. Já estamos achando pouco o peso permitido na bagagem do avião da volta, e olha que ainda vimos pouca coisa.
  • O fogão só tem 3 bocas
  • Os banheiros aqui estão quase sempre molhados e papel é só pra estrangeiro. Toma-se banho de cócoras, usando um balde e um baldinho. Nós estamos com um banheiro adaptado pra forasteiros, com chuveiro.
  • Refeição: come-se sentado no chão. A base da refeição é arroz, chapati (roti – pãozinho indiano) e dahl (caldo de lentilha, ou ervilha, ou algum tipo de feijão). A refeição acontece em 2 etapas: primeiro come-se o chapati (roti) com os vegetais, curry, etc, e o dahl, e depois de comer o chapati, aí sim, serve-se o arroz. Claro, tudo usando uma mão só (a direita). A esquerda é para se servir. E todo mundo raspa o prato, fica limpinho.
    Quando o almoço é formal, ou quando tem muita gente, primeiro a visita come, depois os da casa.
  • Aqui em Pune há dois turnos de trabalho: de manhã e ao anoitecer. É cultural um descansinho depois do almoço. Por exemplo, a clínica do Dr. Nandan funciona nos horários 8-12 e 17-21, exceto domingo à tarde e segunda pela manhã. Segunda-feira o comércio não funciona.
  • O arroz nunca entra sozinho no prato. Tem que colocar um pouquinho de alguma outra coisa antes. Arroz sozinho só no dia da morte, no prato do defunto.
  • Esse prendedor de porta muito bem bolado:
  • O cadeado não fecha sozinho: gira-se pra um lado pra trancar, e pro outro pra destrancar, igual uma fechadura de porta. As trancas das portas são grandes.
  • Vassoura é de palha, mas precisa ficar agachado pra varrer.
  • O plástico de um só uso foi banido na Índia. Nos contaram que foi coisa do Mooji em 2018. Os produtos são colocados em sacolas de pano ou enrolados num jornal. Nas compras que fizemos ganhamos sacolas de papelão ou de pano.
  • Não têm facas de boa qualidade por aqui, dica para futuros presentes.
  • Trouxemos um café brasileiro mas aqui só tem café solúvel. Não existe coador de café, não achamos filtro de papel e vamos tentar preparar num filtro de café de inox. Fica a dica para quem levar café de presente: leve também o coador de pano.
  • Entramos num grande supermercado onde o guarda-volumes fica do lado de fora e é preciso passar por um detector de metal para entrar. Também no aeroporto de Delhi tivemos que passar por várias barreiras policiais (a pé) onde perguntaram para nós para onde iríamos.
  • O colchão aqui é um futon, super confortável e simpleszinho.
  • Têm suásticas pra tudo quanto é lado, de tudo quanto é jeito. Isso nós já sabíamos, o símbolo aqui é de muito antes do século XX (no detalhe: rodapé da porta de uma casa com a bênção de Saraswati, a deusa da sabedoria).

Revisão: Lila 😉

Chegada à Índia

Depois de quase 48 horas de viagem chegamos a Pune. Estamos hospedados no terceiro andar de um predinho onde funciona uma escola de música indiana. Quem nos recebe é a família de músicos que gerencia a escola. Tem para todos os gostos: quem quiser pode vir aprender a tocar tabla (tambor), violino, dança, canto e até yoga. A casa é bem frequentada por músicos de toda a parte, que vêm de vários lugares da Índia e do mundo. Pune é uma cidade média para os padrões indianos (3 milhões de habitantes), tem uma cultura vibrante e recentemente se tornou um um pólo de T.I.

Pariwaar – escola de música onde estamos hospedados

O idioma falado aqui e no estado de Maharashtra é o marathi, similar ao hindi – igual na escrita mas com pronúncia e vocabulário um pouco diferentes. Estamos tendo a oportunidade de aprender um pouco de hindi com o Satyam, filho da Swapna, professora de violino, multi-campeã em concursos de música e dona da escola. Em troca, Satyam está aprendendo algum português conosco.

Satyam – que em sânscrito significa “verdade”

A música sobe pelos corredores do nosso alojamento, cada hora um som diferente. Pode ser uma turminha de crianças ensaiando o violino ou cantando, a tabla de nosso novo amigo Vibhav tocada com maestria, uma aula de dança ou um ensaio de uma banda, ou tudo isso e mais um pouco.

Um bhajan na sala da casa da Swapna, a mestra de violino

Viemos para Pune aprender mais sobre o ayurveda – a medicina tradicional indiana. Agradecemos Mahamuni, velho amigo e professor de yoga em Curitiba, que nos indicou o trabalho do Dr. Nandan Lele e família.

Por quinze dias vivenciaremos um tratamento de saúde ayurvédico, o panchakarma, que consiste na limpeza e desintoxicação do corpo e da mente através de métodos tradicionais – terapias, ervas, massagens. Este tratamento é indicado quando se tem alguma condição de saúde, mas também como método preventivo.

Lila depois de uma sessão de massagem

Nossa primeira chegada à Índia teve um monte surpresas, o que torna quase impossível incluir tudo neste relato. Ficamos três horas na fila da imigração, depois de duas longas viagens de avião e outras tantas de carro e de espera nos aeroportos. Lila tirou uma foto ao lado de um monumento à saudação ao sol – o surya namaskar – no aeroporto de Delhi. Vimos também no aeroporto de Pune um mural com mensagens de paz, do Gandhi se não me engano.

Lila e o monumento ao surya namaskar

Na última quarta-feira participamos de um bhajan, que é uma confraternização com cantos devocionais, na casa da Swapna. Quase todo mundo ali sabia tocar (bem) pelo menos um instrumento. Bonito de ver a casa toda decorada, o altar com uma imagem de Krishna e também com instrumentos musicais, mandala de flores na sala e decoração com flores até mesmo na escada fora do apartamento. Por essa parte da Índia as pessoas cultuam Vitthala, uma das formas de Krishna. A imagem de Ganesha, o deus-elefante que remove os obstáculos, está em cima da porta de praticamente todas as casas.

Vitthala de Pandharpur, uma forma de Kṛṣṇa

Fomos ontem ao centro de Pune, tomamos um chai com nossas anfitriãs, Swapna e Apurua, e depois fomos ver um templo muito antigo de madeira e umas lojas.

Estamos aprendendo novamente coisas simples, como andar na calçada, atravessar a rua ou pedir um tuk-tuk (mais ou menos equivalente ao nosso taxi). O trânsito funciona, parece que flui melhor até que no Brasil. Fora a mão da via e o semáforo (quando tem), parece que ninguém respeita regra nenhuma, mas todo mundo se respeita. A buzina é usada aqui como uma forma de comunicação no trânsito.

Ponto de tuk-tuks
Pune

Na calçada muita gente olha pra nós com curiosidade, alguns já vieram nos cumprimentar – muitas senhorinhas vestindo sári e alguns pedidos de foto. Tudo isso em marathi.

O feirante pediu para tirarmos fotos com sua esposa. E depois nos deu alguns sapotis de presente!

No fim do dia pode-se comprar guirlandas de flores na rua para serem oferecidas às divindades nos altares dos templos e casas. Vimos muitos templos na rua de todos os tipos, pequenos (desde o tamanho de um ponto de taxi) até grandes e suntuosos. Muita gente usa adereços de ouro: segundo a terapeuta da Lila, Juthi, acredita-se que o uso do ouro acima da cintura e a prata abaixo faz bem pra saúde.

Esta senhora prepara as guirlandas de flores. No cair da noite tem muito mais gente vendendo essas guirlandas para serem oferecidas às divindades.

Pelo que pude perceber até agora muita coisa parecida acontece no Brasil e na Índia. Dá para traçar algum paralelo entre a nossa folia de reis, o terço rezado nas casas pelos homens de Caldas, e as manifestações culturais-religiosas daqui. Os casamentos arranjados, segundo Swapna, são do passado tanto aqui (pelo menos nas grandes cidades) como lá. Há também, segundo nossos anfitriões, um esvaziamento da participação nas manifestações culturais pelas novas gerações, como vemos também no Brasil, talvez devido a um excesso de virtualidade.

Come-se utilizando a ponta dos dedos da mão direita, sem talheres. A comida na casa dos nossos anfitriões é saborosa, bem temperada e equilibrada, segundo os padrões ayurvédicos. Em geral comemos um pãozinho indiano feito na hora – o puri – junto com o arroz e algum caldo. O trigo aqui parece ser bem mais leve, de fácil digestão. Está sendo um desafio comer sem sujar toda a mão.

Cada família carrega a história do clã, e isso influencia muito na vida: pode ser alguma receita específica da família, o jeito de cozinhar, de se portar e de vestir, ou mesmo algum dia específico de observância religiosa.

A mão esquerda é usada para a higiene pessoal no banheiro, depois de fazer o número 2. Na clínica os papeis higiênicos são velhos, parece mesmo que estão lá esperando aparecer o próximo ocidental. Na casa de nossos anfitriões não tem. Começamos a tentar usar o chuveirinho. Pensando bem, este método é até mais ecológico, basta lavar bem as mãos antes de sair do banheiro.

Enfim, este é só um pequeno relato das nossas primeiras impressões. Apesar de tanta coisa nova, estamos nos sentindo à vontade como em casa. Nosso plano é de ir para Goa no dia 12, um estado de colonização portuguesa. Até logo, Harih om.

Informações sobre o retiro de Yoga em Pocinhos do Rio Verde – 27 a 29 de abril de 2018

Intenção – Propósito do Retiro

Este retiro será uma vivência de yoga e meditação onde serão ensinadas técnicas de yoga simples que todas e todos possam levar para seu dia a dia.

Com ajuda do silêncio (interno e externo), das técnicas de yoga e meditação, e também de uma alimentação equilibrada, o fio condutor de nosso encontro será a limpeza em várias dimensões (física, mental, digital, etc), também chamada de detox.

Este retiro é indicado também para pessoas que nunca praticaram yoga e que tenham, de maneira geral, uma boa saúde. Caso a pessoa tenha alguma questão de saúde – como por exemplo, problemas cardíacos, de hipertensão, diabetes, etc –  pedimos que nos consulte antes de se inscrever.

Alimentação

O alimento oferecido durante o retiro é fresco e vegetariano, escolhido e preparado com cuidado especial para o propósito de facilitar no processo de desintoxicação. Pedimos que todos o aceitem sem discriminação.

Hospedagem

A Rosa dos Ventos é uma casa de acolhida que fica em meio à paisagem rural, tranquila e montanhosa do sul de Minas Gerais. Os quartos disponíveis para nosso retiro são coletivos: teremos alguns quartos para casais e também quartos com camas de solteiro. A Rosa estará fechada exclusivamente para a realização deste retiro.

Isolamento

Para aproveitar melhor este período de meditação, sugerimos que você deixe o telefone celular desligado durante todo o tempo do retiro, não faça acesso à internet. Pedimos para que você se antecipe às urgências, antes do retiro, avisando seus familiares, conhecidos e colegas de trabalho.

O que trazer:  

Roupa de cama (inclusive cobertor) e banho: produtos de higiene pessoal; bikini ou sunga e canga; agasalho para as noites (costuma esfriar nesta época); roupas leves e confortáveis para as práticas; caderno para anotações, tapete para yoga (caso tenha) e almofada para sentar em meditação.

Algumas de nossas atividades serão:

  • Hatha Yoga, Kundalini Yoga, Sarva Yoga, Yoga Tibetana, Yin Yoga;

  • Meditação ativa (respiração, mantras), silenciosa, andando;

  • Massagem;

  • Banho de gongo;

  • Danças circulares e fogueira com mantras (a confirmar).

Programação*:

* sujeita à alteração

SEXTA – 27/04/2018

 

18h

Chegada – acolhida dos participantes – lanche

19h30 – 21h

Introdução, conversa, combinados, meditação e gongo

21h

Encerramento das atividades, recolhimento

 

SÁBADO – 28/04/2018

 

6h

Despertar

7h – 9h

Yoga e Meditação

9h – 10h

Desjejum

10h – 12h30

Atividades: Dança/massagem/meditação/roda de conversa

12h30 – 14h30

Almoço e descanso

14h30 – 16h

Atividades: Caminhada/meditação/arte/criação/dança circular

16h – 17h30

Yoga Kundalini e Meditação

17h30 – 19h

Lanche, banho e horário livre

19h – 20h

Yin Yoga

20h – 21h

Fogueira com mantras

 

DOMINGO – 29/04/2018

 

6h

Despertar

7h – 9h

Yoga Tibetana, meditação

9h – 10h

Desjejum

10h – 12h30

Atividades de encerramento


Investimento:

Opção 1 = R$ 350,00 à vista;

Opção 2 = R$ 440,00 parcelado em 3x , sendo que a primeira parcela (R$140,00) deverá ser depositada até o dia 27/04, o que garantirá sua inscrição. As demais parcelas (R$ 150,00 cada) serão efetuadas através de cheques pré-datados para 27/05/2018 e 27/06/2018.

 

Inclusos no valor estão a hospedagem, a alimentação e todas as práticas do retiro.

 

Para confirmar a sua participação, pedimos a gentileza de preencher este formulário:

https://goo.gl/forms/TUecvANGL6EOwt1n1

 

Após o preenchimento, favor nos enviar por e-mail o comprovante de depósito na conta do Banco do Brasil

 

Com votos de um ótimo dia, esperamos que possa se juntar a nós nessa jornada.

 

Namaste!

O treinamento da mente no cotidiano

S. Ema. Chagdud Tulku Rinpoche

Fonte: Chagdud Gonpa Brasil

O budismo é uma tradição espiritual e filosófica que, por quase 3.000 anos, tem capacitado praticantes a eliminar os venenos e hábitos negativos da mente e revelar a sua natureza pura e absoluta.

A natureza básica da mente é como ouro puro, mas a sua pureza inerente não é óbvia, pois está coberta por uma mescla de emoções conflitantes, circunstâncias cármicas, obscurecimentos intelectuais e hábitos.Essas camadas não refinadas, como minério que contém ouro, precisam ser removidas para que a essência pura do nosso ser, o ouro elementar, seja revelada.

Nosso nascimento humano nos oferece a oportunidade de empreender esse processo de purificação e descobrir o amor, a compaixão, a equanimidade e a alegria que surgem espontaneamente da natureza fundamental da mente.

Se examinarmos nossas vidas, veremos que a real insatisfação, angústia e mal-estar que experimentamos não são causados por condições externas, mas pela forma como reagimos interiormente a elas. Não podemos negar que as condições externas difíceis existem, mas precisamos reconhecer que alguém com algum controle sobre os processos internos da mente não vivencia a mesma impotência e sofrimento face às perdas, adversidades e doenças, comparado a uma pessoa cuja mente não foi treinada.

Sei disso por experiência própria, pois meu país, o Tibete, foi perdido para os invasores comunistas, completamente hostis às nossas tradições culturais e espirituais. Muitos grandes mestres morreram de fome, foram torturados e assassinados. Apesar dessas aflições, os comunistas não conseguiram tirar deles a fé, a compaixão ou a paz interior conquistada por meio da realização espiritual. Eles podiam, apenas, dominar a realidade exterior.

O que é significativo?

A maioria de nós, neste país abundante e acolhedor que é o Brasil, não se depara com desafios tão dramáticos. Ao invés disso, somos desafiados a encontrar o que é realmente significativo em nossas vidas tão atarefadas e descobrir o que verdadeiramente é benéfico em nossas interações com a família, com aqueles que amamos, com as pessoas com quem trabalhamos e encontramos.

Sob o ponto de vista budista, nada supera a importância do uso deste nascimento humano precioso para reconhecermos a inabalável natureza absoluta da mente. Esse reconhecimento instiga confiança e poder para enfrentar os acontecimentos efêmeros, tanto internos quanto externos. O caminho para o conhecimento da natureza da mente depende de nossos esforços para beneficiar os demais. Cada vez que colocamos de lado nossas tendências autocentradas para trabalhar pelo bem-estar dos outros, purificamos alguns dos obscurecimentos usuais da mente e aumentamos nosso mérito.

Integrando o caminho espiritual com a vida cotidiana

A purificação e geração de mérito constituem o caminho para a iluminação e podemos encontrar constantes oportunidades para integrá-las às nossas atividades cotidianas. As pessoas, em geral, queixam-se de que não têm tempo para fazer prática formal. Entretanto, qualquer dia pode ser estruturado como uma sessão de meditação prolongada.

  • Ao acordarmos pela manhã, nos alegramos com o fato de termos mais um dia para consumar a prática espiritual.
  • Estabelecemos uma motivação pura e forte para deixar de prejudicar os outros por meio de nossas ações do corpo, fala e mente e para beneficiá-los como pudermos.
  • Durante o dia, verificamos a nossa mente – mesmo quando estamos conversando ou ocupados com atividades – para ver se essas ações advêm de uma intenção pura ou de venenos como o egoísmo, o orgulho, a inveja e a raiva. As ações ou palavras podem ser exatamente as mesmas, mas a motivação positiva ou negativa por trás delas determinará seus resultados cármicos.
  • À noite, antes de dormir, refletimos sobre o nosso dia. Se encontrarmos momentos em que fracassamos em seguir nossas boas intenções, podemos purificá-los. Invocamos um ser iluminado como nossa testemunha, reconhecemos nossa falha, geramos remorso por tê-la cometido, fazemos o compromisso de não repeti-la e recebemos a purificação visualizando que luz se irradia de nossa testemunha iluminada, nos permeia e purifica a negatividade.
  • Também relembramos os momentos em que criamos mérito com nossas ações, nossa comunicação e intenções positivas. Imaginamos esse mérito se expandindo e formando uma vasta oferenda que se dissolve nas mentes de todos os seres por todo o universo.

Praticantes secretos

Do mesmo modo que uma pessoa, ao acender uma vela, fornece luz para todos que estão no mesmo ambiente, a dedicação do mérito que geramos individualmente aumenta qualidades positivas – prosperidade, longevidade e felicidade – para todos os seres.

Os ensinamentos de Buda nos permitem consumar uma transformação através da prática espiritual sem nos sentarmos numa almofada, sem anunciarmos nossa crença para os outros, sem religiosidade externa. Internamente, treinamos nossa mente e nos tornamos praticantes secretos no caminho à iluminação.

Do Mais Profundo do Meu Coração Para Minha Mãe Yeshe

Do Mais Profundo do Meu Coração Para Minha Mãe Yeshe
Chögyal Namkhai Norbu

Prefácio

Esta breve composição, escrita por Chögyal Namkhai Norbu, aos 19 anos, compreende em poucas páginas o ponto de vista e a prática de meditação do ensinamento Dzogchen. Dirigido a sua mãe pelo autor no momento de sua última despedida, é impactante pelo frescor e profundidade de sua linguagem, e por ser isenta de especulações intelectuais e artifícios retóricos. É uma mensagem direta de coração a coração. Comunica a essência da iluminação que emerge ao observar a natureza da própria mente, a sabedoria espontânea que se manifesta como compaixão infinita a todos os seres, as nossas mães.

Adriano Clemente

Mãe, a mente, a mente! Essa mente da qual sempre falamos, que parece tão viva e ativa, teve início junto com Samantabhadra, o Senhor Primordial. Reconhecendo sua natureza, Samantabhadra se liberou. Não a reconhecendo, começamos a transmigração no samsara infinito. Agora que uma ocasião tão afortunada de apresentou, sem buscar pretextos externos, sem nos deixar capturar pelas oito preocupações mundanas, deveríamos abrir nossos olhos à visão de nossa condição real e compreende-la de uma vez por todas.

Existe uma condição natural, auto originada, a essência verdadeira e ultimada mente: se a deixamos em seu estado da pura presença instantânea, sem buscar modificá-la de nenhum modo, então sua sabedoria espontânea e primordial se manifestará em forma desnuda. O que constitui a sabedoria auto-originada da pura presença instantânea?

Não importa quanto queiramos defini-la, é inefável. Nunca teve início, não reside em nenhuma parte, não conhece interrupção. Não cabe em nenhum dos limites do dualismo, nem ser nem não ser, bom ou mau, apego ou aversão, nem liberação ou ilusão. Sua essência tem sido sempre a pureza da vacuidade, que a tudo penetra, totalmente. Sua natureza é a claridade, que possui as qualidades da sabedoria em um estado de auto-perfeição total. Presença instantânea, a não-dualidade da vacuidade da essência e a claridade da natureza, é o estado de pureza primordial que é a base da manifestação das três dimensões da iluminação: dharmakaya (essência), sambhogakaya ( plenitude) e nirmanakaya (manifestação). O verdadeiro reconhecimento desse estado é o que se chama “a visão da total plenitude da auto perfeição”.

Quero tratar de ser mais explícito. Se olharmos um objeto a nossa direita e logo desviamos nossa visão a um objeto a esquerda, no momento no qual nosso primeiro pensamento se desvanece e, antes que surja o segundo, não sente uma fresca consciência do instante, sem ser manchada pela mente, clara, límpida, desnuda, livre? Permanece por um tempo em meditação, mãe, e observa!

Ai! Este é um exemplo da autentica condição da presença instantânea, e também o que se chama “a igualdade absoluta do quarto tempo”, que transcende os três tempos de passado, presente e futuro. No momento no qual já não permanece neste estado, o qual representa a absoluta igualdade do quarto tempo, não surge um pensamento, rápido e espontaneamente? Fica um tempo em meditação, mãe, e observa!

Ai! Isto é exatamente o que se chama de energia ininterrupta da vacuidade, que é a essência da presença instantânea. Se não reconhece o pensamento logo surja, então os pensamentos se multiplicarão de um modo ordinário, e assim caíra nos limites do dualismo. Esta é a corrente da ilusão, a verdadeira raiz de nossa transmigração sem fim na visão ilusória dos três mundos da paixão, forma e não forma.

Mãe, quando um pensamento nasce repentinamente em ti, seja bom ou mau, reconheça-o imediatamente!Esteja na presença pura, relaxada neste estado, sem entrar em ação: sem rejeitar ou aceitar, sem bloquear nem convidar. Deste modo, se não cria o apego que leva a rejeição e aceitação, todos os pensamentos sobre bom ou mau, prazer, tristeza e outros livremente se dissolvem no espaço da dimensão da essência (dharmakaya), a não-dualidade de presença e vacuidade. Isto se chama “a união fundamental do ponto de vista e da meditação” na dissolução das tensões (khregs chod) da total plenitude da auto-perfeição.

Quando todas as dúvidas e incertezas a respeito do ponto de vista da natureza da total plenitude se dissolvem a partir de dentro, então continuar neste estado se chama “meditação”. Ao não perder o ponto de vista do estado natural, se necessita relaxar a consciência dos cinco sentidos, começando pela visão e audição, sem bloquear estas funções, enquanto permanece serena. Se as diversas funções dos cinco sentidos se bloqueiam, isso significa que caiu em torpor e em falta de claridade. Neste caso tem de voltar à própria condição mais límpida, mais transparente.

Se meditar com um objetivo em mente, há grande risco de que a meditação se torne conceitual ou analítica. A pessoa não deveria, então, meditar com a intenção de poder dizer: “Aqui está, este é o estado!” Ter algo “no qual” meditar implica atividade da mente, enquanto não há realmente nada em que concentrar-se e meditar. É suficiente somente deixar a consciência em seu estado original e, ao mesmo tempo, não se deixar distrair. Já que a distração é equivalente a cair na ilusão, é importante focalizar a atenção em não deixar que se multipliquem as ilusões. Qualquer que seja o pensamento que surja, seja este bom ou mau, nem o rejeite nem o aprove, mas sim deixe que se libere do mesmo modo em que surgiu.

Qualquer seja o pensamento que surja, bom ou mau, deixa-o manifestar-se, mas não se envolva começando a realizar juízos. Os pensamentos deixados como são se auto-liberam em seu próprio estado, tal como as ondas, logo ao terem se agitado na superfície do mar finalmente se acalmam. Alguns que se dizem grandes meditadores afirmam que a meditação consiste em deter os pensamentos e obter um estado livre de pensamentos, mas essa é a direção oposta ao caminho de dissolver as tensões em total plenitude. Deter os pensamentos é uma ação. Comprometer-se em uma ação enquanto se medita, pode tornar-se a causa posterior de transmigração; não é em absoluto o modo de se liberar do samsara.

Portanto, quando surge um pensamento, bom ou mau, a chave é continuar em um estado de pura presença ou pura claridade, sem envolver-se absolutamente em nenhuma das ações que derivam tanto de bloquear como de multiplicar os pensamentos. Quando se continua neste estado, qualquer que seja o objeto que se apresente não se converte em alvo de nosso apego. Nossa percepção de tal objeto permanece em sua condição fresca, original. Portanto todos os fenômenos que aparecem como objetos se manifestam sem que seu caráter específico se transforme ou perca seu brilho por pensamentos derivados do apego. Deste modo, tudo o que aparece e se percebe se torna essa sabedoria que é a não-dualidade da vacuidade e claridade.

Este reconhecimento do próprio estado, o qual é a condição da claridade pura e presença pura, deveria tornar-se contínuo, qualquer que seja a atividade diária em curso: enquanto se caminha, enquanto se come, enquanto se está sentado, enquanto está deitado e assim

sucessivamente. Se surge um pensamento ligado a uma emoção ou paixão, por exemplo, um prazer ou um pesar, a algo bom ou, ao contrário, mau, não ceda à noção de ter de rejeitá-lo ou achar um antídoto. A sensação de prazer ou pesar, se a observa e a deixa em sua pureza e desnudes, se dissolve do mesmo modo que surgiu.

A causa principal de nossa transmigração, aquilo que tem girado incessantemente a roda do samsara desde o tempo sem começo até hoje, é feita de nossa inclinação inconsciente ao dualismo. Por tanto, abandonando para sempre tanto as preocupações externas, como as atitudes de espiritualidade simulada, agora que teve a suprema boa fortuna de conhecer frente a frente a dimensão que é a essência (dharmakaya) da presença instantânea, aproveita a ocasião e volta ao profundo estado natural no qual todos os conceitos de rejeição e aceitação purificam a si mesmos na sua própria condição.

Possa o significado último do estado de Atiyoga
Surgir perfeitamente em ti, mãe Yeshe!
E possam todos os seres que tenham contato contigo
Liberar-se no estado primordial de Samantabhadra!

Isso foi escrito pelo dzogchenpa Namkhai Norbu em Lhasa, no vigésimo quinto dia do primeiro mês do ano do cachorro de terra, 2.502 anos depois do paranirvana de Buddha (março de 1958), no momento de separar-se de sua mãe.

Tradução: Jimmy Jacques

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