yoga e agroecologia experimental

Categoria: Índia

Aprendizados da Mãe Índia

Em nossa estadia na Índia encontrei algo muito forte que desconhecia em mim: a devoção. Entendi que a entrega a essa força superior e sutil pode não ser explicada racionalmente, mas é profundamente sentida pelo coração.

Durante o retiro de Natal do Sivananda Ashram, do qual tivemos a honra de participar, muito se falou sobre o ensinamento do Vedanta, que compreende que todos somos um: “Tudo isto é verdadeiramente Brahman (realidade (Sat), consciência (Cit) e beatitude (Ānanda).” Nas palestras inspiradoras dos swamis, eles relembravam o quão próxima está a palavra de Cristo daquela dos santos hindus. E nós vimos como Cristo é abraçado por uma tradição que integra os mais variados mestres e valida diversas experiências no caminho da iluminação.

Altar do Sivananda Ashram (Divine Life Society)
Templo de rua em Goa

Fui então buscar O Sermão da Montanha segundo o Vedanta, comentado por Swami Prabhavananda, com trechos que revelam sua profundidade. “No Evangelho segundo São Lucas, lemos: “O reino de Deus não tem aparência ostensiva; nem se poderá dizer: ei-lo aqui ou ei-lo ali! Porque o reino de Deus está dentro de vós.” Numa vida de Yoga é exatamente o que buscamos, conectar-nos com nossa essência serena e plena, que nos define. Como o lembrete do apóstolo Paulo aos Coríntios: “Ignorais acaso que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?“

Swami Yogaswarupanandaji, presidente da Divine Life Society

E para o hinduismo é o véu de Maya, da ilusão, o que nos afasta de enxergar a realidade como ela é, é como se a nossa luz fosse encoberta pelas trevas, e tivesse então que ser re-descoberta, apesar de ter sempre brilhado. E o sermão da montanha prossegue: “E a luz brilhou nas trevas, e as trevas não a compreenderam”. A luz de Deus brilha, mas o véu de nossa ignorância esconde essa luz. Esta ignorância é uma experiência direta e imediata. Só pode ser removida por outra experiência direta e imediata – a realização de Deus. A diferença entre a ignorância e a realização de Deus, segundo Buda, é como a que existe entre o sono e o despertar”.

Retrato em visita a Udaipur

Harih Om. Tat Sat.

#vedanta#cristo#vidadeyoga#autoconhecimento#yogamg#sivananda#divinelifesociety#yoga#yogaemcaldas#caldasmg#pocosdecaldas#iluminacao #liberdade

Puja para Swapna

Hoje foi realizado o Puja (ritual de honra e adoração) dedicado aos 50 anos de Swapna Datar, grande mestra do violino e da vida. Seu filho, Satyam, dedicou os melhores votos a sua mãe, nesta homenagem bela e tocante.

Tivemos a honra de participar e honrar esta guruji, pois em sua presença sentimos como o acúmulo de méritos pode alcançar a sabedoria. Ela é um exemplo vivo do que nos faz reverenciar sua cultura e território.

Aqui, nesta Índia atual, o ensinamento da Gita ainda se faz presente: cumprir o próprio dharma nesta vida é o objetivo de Swapna e de tantos outros indianos. Assim, não se trata somente de gerar méritos para acumular, mas de gerá-los de forma a cumprir o seu papel na teia da vida. Desejamos vida longa à Swapna e agradecemos profundamente por presenciar este momento.

Que o fogo do discernimento nos inspire e eleve a cada manhã. Jaya!

Curiosidades sobre a Índia (1)

Fora aquelas que já mencionamos, seguem algumas curiosidades que vimos até agora:

  • Praticamente todas as tomadas que vimos têm um interruptor que liga/desliga a tomada.
  • Aqui têm panelas sem alça. Usa-se uma espécie de alicate pra transportar essas panelas. Aliás, a cozinha tem tudo de inox: copos, pratos, potinhos de todos os tamanhos. E tudo baratinho, de qualidade. Já estamos achando pouco o peso permitido na bagagem do avião da volta, e olha que ainda vimos pouca coisa.
  • O fogão só tem 3 bocas
  • Os banheiros aqui estão quase sempre molhados e papel é só pra estrangeiro. Toma-se banho de cócoras, usando um balde e um baldinho. Nós estamos com um banheiro adaptado pra forasteiros, com chuveiro.
  • Refeição: come-se sentado no chão. A base da refeição é arroz, chapati (roti – pãozinho indiano) e dahl (caldo de lentilha, ou ervilha, ou algum tipo de feijão). A refeição acontece em 2 etapas: primeiro come-se o chapati (roti) com os vegetais, curry, etc, e o dahl, e depois de comer o chapati, aí sim, serve-se o arroz. Claro, tudo usando uma mão só (a direita). A esquerda é para se servir. E todo mundo raspa o prato, fica limpinho.
    Quando o almoço é formal, ou quando tem muita gente, primeiro a visita come, depois os da casa.
  • Aqui em Pune há dois turnos de trabalho: de manhã e ao anoitecer. É cultural um descansinho depois do almoço. Por exemplo, a clínica do Dr. Nandan funciona nos horários 8-12 e 17-21, exceto domingo à tarde e segunda pela manhã. Segunda-feira o comércio não funciona.
  • O arroz nunca entra sozinho no prato. Tem que colocar um pouquinho de alguma outra coisa antes. Arroz sozinho só no dia da morte, no prato do defunto.
  • Esse prendedor de porta muito bem bolado:
  • O cadeado não fecha sozinho: gira-se pra um lado pra trancar, e pro outro pra destrancar, igual uma fechadura de porta. As trancas das portas são grandes.
  • Vassoura é de palha, mas precisa ficar agachado pra varrer.
  • O plástico de um só uso foi banido na Índia. Nos contaram que foi coisa do Mooji em 2018. Os produtos são colocados em sacolas de pano ou enrolados num jornal. Nas compras que fizemos ganhamos sacolas de papelão ou de pano.
  • Não têm facas de boa qualidade por aqui, dica para futuros presentes.
  • Trouxemos um café brasileiro mas aqui só tem café solúvel. Não existe coador de café, não achamos filtro de papel e vamos tentar preparar num filtro de café de inox. Fica a dica para quem levar café de presente: leve também o coador de pano.
  • Entramos num grande supermercado onde o guarda-volumes fica do lado de fora e é preciso passar por um detector de metal para entrar. Também no aeroporto de Delhi tivemos que passar por várias barreiras policiais (a pé) onde perguntaram para nós para onde iríamos.
  • O colchão aqui é um futon, super confortável e simpleszinho.
  • Têm suásticas pra tudo quanto é lado, de tudo quanto é jeito. Isso nós já sabíamos, o símbolo aqui é de muito antes do século XX (no detalhe: rodapé da porta de uma casa com a bênção de Saraswati, a deusa da sabedoria).

Revisão: Lila 😉

Mergulho no panchakarma

Nossa primeira semana na Índia foi um presente do universo.

Encontramos uma hospedagem confortável, refeições maravilhosas e a possibilidade de participar de um cotidiano onde senhoras recitam as escrituras dos Vedas e crianças tocam violino tão lindamente que nos emocionam. Segundo um casal japonês que conhecemos, aqui em Pune são encontradas as pessoas mais amáveis da Índia.

Fizemos amizade com o pessoal da loja por onde passamos diariamente

Em paralelo, nos sentimos profundamente afortunados com o panchakarma recebido na clínica do Dr. Nandan. Já do Brasil tivemos uma primeira consulta virtual e preenchemos um extenso questionário sobre nosso hábitos e características pessoais. A partir disso, recebemos um tratamento sob medida para restaurar nosso equilíbrio psicofísico, bem como desintoxicar corpo e mente. Isso incluiu escaldapés e massagens nos pés, na cabeça, no corpo todo, banho de vapor, enemas e também terapias de oleação no umbigo ou na lombar, além do uso de sinergias indicadas para cada um de nós, e de medicinas naturais. Na clínica somos recebidos com chá de ervas, e questionados sobre como nos sentimos, sobre o sono e a evacuação.

No meu caso, expliquei que gostaria de curar uma dor de cabeça que costumo experienciar algumas vezes ao mês, e o diagnóstico foi um excesso de pitta (fogo) na cabeça, o que estimula um perfeccionismo exacerbado (confesso que concordei!) e a consequente dor. Recebi no meu sétimo dia de tratamento uma aplicação de shirodhara, uma espécie de massagem na cabeça feita com óleo morno constante, que vai descendo na testa e no encontro com o couro cabeludo. Na hora pareceu simples e rápido além de muito prazeroso. A Jyoti me contou que essa terapia é uma cirurgia sem corte, tão profunda sua atuação – segundo ela, as mulheres que recebem a shirodhara nem precisam ir ao salão de beleza. De fato, o tratamento transcorrera de maneira bem suave até que pude sentir o cansaço que recaiu logo após a aplicação. Qualquer coisa útil que o Vinicius propunha me soava dispensável, e dormi às 19h30 um sono pesado cheio de sonhos. No dia seguinte, uma leve dor de cabeça foi aliviada pela massagem completa da Jyoti, seguida da sauna a vapor, que é um sonho. Me senti renovada; ansiedade e preocupação tinham se dissipado, e pude enfim compreender uma cirurgia sem corte.

Nesta segunda semana tivemos também algumas aulas sobre Ayurveda com o dr. Nandan, e pudemos tomar contato com uma medicina que vai muito além da doença, aliás, a maior parte da Ayurveda trata de manter e cultivar a saúde, e uma parte menor aborda o tratamento de doenças. Segundo o Nandan, a Ayurveda é mais que um estilo de vida, é um modo de pensar, e seu objetivo maior é moksha, a libertação. Assim, Ayurveda e Yoga podem ser consideradas duas faces de uma mesma moeda. As aulas do Nandan abordam a Gita, o Vedanta e várias histórias para exemplificar seu ensinamento.

Esperamos levar um pouco disso de volta para o Brasil.

Chegada à Índia

Depois de quase 48 horas de viagem chegamos a Pune. Estamos hospedados no terceiro andar de um predinho onde funciona uma escola de música indiana. Quem nos recebe é a família de músicos que gerencia a escola. Tem para todos os gostos: quem quiser pode vir aprender a tocar tabla (tambor), violino, dança, canto e até yoga. A casa é bem frequentada por músicos de toda a parte, que vêm de vários lugares da Índia e do mundo. Pune é uma cidade média para os padrões indianos (3 milhões de habitantes), tem uma cultura vibrante e recentemente se tornou um um pólo de T.I.

Pariwaar – escola de música onde estamos hospedados

O idioma falado aqui e no estado de Maharashtra é o marathi, similar ao hindi – igual na escrita mas com pronúncia e vocabulário um pouco diferentes. Estamos tendo a oportunidade de aprender um pouco de hindi com o Satyam, filho da Swapna, professora de violino, multi-campeã em concursos de música e dona da escola. Em troca, Satyam está aprendendo algum português conosco.

Satyam – que em sânscrito significa “verdade”

A música sobe pelos corredores do nosso alojamento, cada hora um som diferente. Pode ser uma turminha de crianças ensaiando o violino ou cantando, a tabla de nosso novo amigo Vibhav tocada com maestria, uma aula de dança ou um ensaio de uma banda, ou tudo isso e mais um pouco.

Um bhajan na sala da casa da Swapna, a mestra de violino

Viemos para Pune aprender mais sobre o ayurveda – a medicina tradicional indiana. Agradecemos Mahamuni, velho amigo e professor de yoga em Curitiba, que nos indicou o trabalho do Dr. Nandan Lele e família.

Por quinze dias vivenciaremos um tratamento de saúde ayurvédico, o panchakarma, que consiste na limpeza e desintoxicação do corpo e da mente através de métodos tradicionais – terapias, ervas, massagens. Este tratamento é indicado quando se tem alguma condição de saúde, mas também como método preventivo.

Lila depois de uma sessão de massagem

Nossa primeira chegada à Índia teve um monte surpresas, o que torna quase impossível incluir tudo neste relato. Ficamos três horas na fila da imigração, depois de duas longas viagens de avião e outras tantas de carro e de espera nos aeroportos. Lila tirou uma foto ao lado de um monumento à saudação ao sol – o surya namaskar – no aeroporto de Delhi. Vimos também no aeroporto de Pune um mural com mensagens de paz, do Gandhi se não me engano.

Lila e o monumento ao surya namaskar

Na última quarta-feira participamos de um bhajan, que é uma confraternização com cantos devocionais, na casa da Swapna. Quase todo mundo ali sabia tocar (bem) pelo menos um instrumento. Bonito de ver a casa toda decorada, o altar com uma imagem de Krishna e também com instrumentos musicais, mandala de flores na sala e decoração com flores até mesmo na escada fora do apartamento. Por essa parte da Índia as pessoas cultuam Vitthala, uma das formas de Krishna. A imagem de Ganesha, o deus-elefante que remove os obstáculos, está em cima da porta de praticamente todas as casas.

Vitthala de Pandharpur, uma forma de Kṛṣṇa

Fomos ontem ao centro de Pune, tomamos um chai com nossas anfitriãs, Swapna e Apurua, e depois fomos ver um templo muito antigo de madeira e umas lojas.

Estamos aprendendo novamente coisas simples, como andar na calçada, atravessar a rua ou pedir um tuk-tuk (mais ou menos equivalente ao nosso taxi). O trânsito funciona, parece que flui melhor até que no Brasil. Fora a mão da via e o semáforo (quando tem), parece que ninguém respeita regra nenhuma, mas todo mundo se respeita. A buzina é usada aqui como uma forma de comunicação no trânsito.

Ponto de tuk-tuks
Pune

Na calçada muita gente olha pra nós com curiosidade, alguns já vieram nos cumprimentar – muitas senhorinhas vestindo sári e alguns pedidos de foto. Tudo isso em marathi.

O feirante pediu para tirarmos fotos com sua esposa. E depois nos deu alguns sapotis de presente!

No fim do dia pode-se comprar guirlandas de flores na rua para serem oferecidas às divindades nos altares dos templos e casas. Vimos muitos templos na rua de todos os tipos, pequenos (desde o tamanho de um ponto de taxi) até grandes e suntuosos. Muita gente usa adereços de ouro: segundo a terapeuta da Lila, Juthi, acredita-se que o uso do ouro acima da cintura e a prata abaixo faz bem pra saúde.

Esta senhora prepara as guirlandas de flores. No cair da noite tem muito mais gente vendendo essas guirlandas para serem oferecidas às divindades.

Pelo que pude perceber até agora muita coisa parecida acontece no Brasil e na Índia. Dá para traçar algum paralelo entre a nossa folia de reis, o terço rezado nas casas pelos homens de Caldas, e as manifestações culturais-religiosas daqui. Os casamentos arranjados, segundo Swapna, são do passado tanto aqui (pelo menos nas grandes cidades) como lá. Há também, segundo nossos anfitriões, um esvaziamento da participação nas manifestações culturais pelas novas gerações, como vemos também no Brasil, talvez devido a um excesso de virtualidade.

Come-se utilizando a ponta dos dedos da mão direita, sem talheres. A comida na casa dos nossos anfitriões é saborosa, bem temperada e equilibrada, segundo os padrões ayurvédicos. Em geral comemos um pãozinho indiano feito na hora – o puri – junto com o arroz e algum caldo. O trigo aqui parece ser bem mais leve, de fácil digestão. Está sendo um desafio comer sem sujar toda a mão.

Cada família carrega a história do clã, e isso influencia muito na vida: pode ser alguma receita específica da família, o jeito de cozinhar, de se portar e de vestir, ou mesmo algum dia específico de observância religiosa.

A mão esquerda é usada para a higiene pessoal no banheiro, depois de fazer o número 2. Na clínica os papeis higiênicos são velhos, parece mesmo que estão lá esperando aparecer o próximo ocidental. Na casa de nossos anfitriões não tem. Começamos a tentar usar o chuveirinho. Pensando bem, este método é até mais ecológico, basta lavar bem as mãos antes de sair do banheiro.

Enfim, este é só um pequeno relato das nossas primeiras impressões. Apesar de tanta coisa nova, estamos nos sentindo à vontade como em casa. Nosso plano é de ir para Goa no dia 12, um estado de colonização portuguesa. Até logo, Harih om.

© 2024 śāntibhūmi

Theme by Anders NorenUp ↑